Unidade 21
Espaço urbano e espaço rural

Ponto de partida

  1. Onde você mora? No campo ou na cidade?

  2. Quais as vantagens e as desvantagens de morar no campo? E na cidade?

  3. Se você pudesse escolher, onde gostaria de morar? No meio rural ou no urbano?


Objetivos da unidade

  1. diferenciar o espaço rural do espaço urbano;

  2. perceber a constante interação entre campo e cidade;

  3. ompreender o processo de urbanização no Brasil em sua forma pretérita e em sua forma mais recente (entre as décadas de 1960 e 1980), procurando estabelecer uma relação entre o processo de modernização no campo e o êxodo rural;

  4. compreender quais interações entre campo e cidade acontecem na atualidade.

Na Sociologia, existe uma área que estuda o espaço rural, chamada Sociologia Rural, que se configura como uma importante linha de pesquisa sociológica.

A socióloga Maria Nazareth Wanderley define o meio rural como “um espaço de vida e de trabalho”. Quando consideramos essa questão, estamos levando em conta que as transformações e as mudanças que ocorrem no conjunto da sociedade provocam alterações na vida e no trabalho de muitas pessoas que vivem no campo. Entender essas mudanças e transformações é uma das funções da Sociologia Rural.

Sabemos que as transformações são muitas e constantes. Entretanto, algumas, como a urbanização, a modernização do campo, o êxodo rural e a revalorização do mundo rural, por terem alterado de forma estrutural a vida do meio rural e urbano no Brasil, merecem uma atenção maior. São essas questões que vamos abordar com mais detalhes nesta unidade.

Urbanização: processo no qual as populações passam a se concentrar nas cidades, locais de base econômica não agrícola. O fenômeno da urbanização pode ocorrer por diferentes processos, seja pela maior taxa de natalidade do meio urbano do que no meio rural, seja pela migração dos moradores do campo para as cidades.

Modernização do campo: processo que levou ao campo uma série de medidas que visavam ao aumento da produtividade na agricultura.

Êxodo: partida; saída de pessoas em massa.

Para tanto, devemos demarcar uma breve noção do que seria o espaço rural e de como ele se relaciona com o espaço urbano. O termo rural deve ser entendido como os locais com maior presença dos espaços naturais, por relações sociais específicas desenvolvidas nesse meio e por uma baixa densidade populacional.

Dentro dessa configuração, segundo Maria Nazareth Wanderley, podemos considerar a existência de diferentes configurações nos municípios brasileiros. Há aqueles nos quais a maioria da população reside em áreas urbanas, outros em que a maioria reside nas áreas rurais e ainda outros municípios que podem ser considerados intermediários, ou seja, que estão com sua população dividida entre o rural e o urbano.

Uma das mudanças fundamentais ocorridas na sociedade e que teve causas e consequências observadas no meio rural foi a urbanização. Para entendermos melhor esse fenômeno, devemos conceber que, por muito tempo, os brasileiros viveram majoritariamente no campo, quadro que foi se modificando aos poucos. Os pesquisadores que estudam esses processos, em especial os geógrafos, consideram que no Brasil existiram duas fases de urbanização: a primeira delas seria a urbanização pretérita e a segunda fase pode ser entendida como a urbanização propriamente dita.

Essa segunda fase pode ser dividida em dois momentos. O primeiro aconteceu até a década de 1940, quando as cidades apresentavam um caráter mais burocrático e administrativo; o segundo pode ser caracterizado por dois fatores principais: a industrialização e a modernização do campo. Foi a relação desses dois fatores que fez emergir o processo que ficou conhecido como êxodo rural.

Sabe-se que o êxodo rural é um conceito bastante abordado nas disciplinas escolares e aponta para uma saída do espaço rural em direção ao espaço urbano. No Brasil, esse processo se intensificou principalmente a partir da década de 1940, quando se configurou como causa e consequência de transformações substanciais da vida no campo e na cidade.

Como essas transformações – urbanização e modernização da agricultura – afetaram o conjunto do território brasileiro são características que devem ser abordadas dentro de um mesmo grande processo. Isso porque, à medida que ocorriam a mecanização da agricultura e a dispensa de mão de obra de trabalhadores rurais, mais pessoas se viam pressionadas a partir em direção a locais com melhores oportunidades de trabalho. Essa tendência, apesar de ainda ser uma realidade, vem apresentando um quadro de desaceleração em algumas regiões. Isso proporciona uma nova vitalidade ao espaço rural, o que faz com que ele passe a atrair pessoas do meio urbano. Apesar de essa tendência ainda estar em uma forma incipiente, já é uma realidade a ser observada.

Mas se o êxodo rural foi provocado, principalmente, pelos processos de modernização do campo e industrialização, os quais fizeram com que a cidade se constituísse naquele momento como local de melhores oportunidades, o que na atualidade faz, em alguns casos, que o campo se torne o lugar das melhores oportunidades?

Vamos adotar aqui a noção de que, nas sociedades modernas, o campo passa a apresentar muitos benefícios, os quais teriam sido perdidos ou minimizados nas grandes cidades, principalmente aqueles relacionados à qualidade de vida. Essa condição torna o campo um local em que o bem-estar e a preservação biológica são mais oportunizados.

Do campo à cidade: urbanização do Brasil

Em sentido amplo, a urbanização ocorre quando as pessoas saem do campo e se deslocam em direção à cidade. Ela normalmente acontece de forma gradual, sendo mais ou menos intensa ao longo dos diferentes momentos. Segundo o geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001), o processo de urbanização no Brasil teve um início tímido no século XVIII, atingindo sua maturidade no século seguinte, e somente no século XX adquiriu as características que observamos na atualidade.

As primeiras cidades no Brasil, construídas durante o Período Colonial, eram pouco planejadas, pouco atrativas e pouco numerosas e, por muito tempo, concentradas na faixa litorânea. Apenas no fim do século XVII, com a descoberta do ouro na região em que atualmente se encontra Minas Gerais, teve início um fluxo considerável de pessoas ao interior, favorecendo o estabelecimento de núcleos urbanos em regiões não litorâneas. O início desses núcleos urbanos ocorreu no contexto de uma política colonial, quando o Brasil ainda era uma colônia de Portugal.

política colonial: é o conjunto de relações estabelecidas entre uma metrópole e uma colônia, em que esta existe para potencializar o desenvolvimento daquela. Por muito tempo o Brasil esteve submetido ao sistema colonial português, sendo utilizado para o fortalecimento econômico de Portugal, principalmente por intermédio da prática agrícola chamada de plantation. Esta era caracterizada por latifúndio, monocultura e trabalho escravo. política colonial: é o conjunto de relações estabelecidas entre uma metrópole e uma colônia, em que esta existe para potencializar o desenvolvimento daquela. Por muito tempo o Brasil esteve submetido ao sistema colonial português, sendo utilizado para o fortalecimento econômico de Portugal, principalmente por intermédio da prática agrícola chamada de plantation. Esta era caracterizada por latifúndio, monocultura e trabalho escravo.

©Shutterstock/Spectral-Design


De modo geral, Portugal apresentou pouquíssimo interesse pelo desenvolvimento de cidades em sua colônia, fazendo com que o processo brasileiro de formação de núcleos urbanos fosse, na maioria das vezes, espontâneo e sem planejamento. Essas primeiras formas incipientes de urbanização ficaram conhecidas como urbanização pretérita e ocorreram, principalmente, a partir do século XVIII.

Uma causa importante que auxiliou nessa forma pretérita de urbanização foi a descoberta de ouro e diamantes nas terras que, na atualidade, fazem parte dos estados de Minas Gerais e Goiás. Muitos locais de mineração acabaram se transformando em pequenos núcleos urbanos, com maior densidade populacional, que mais tarde receberiam grupos populacionais que se deslocaram do campo. Outra causa fundamental na consolidação da cidade se refere ao momento em que os núcleos urbanos passaram a receber a residência principal de membros da classe hegemônica, principalmente dos grandes proprietários de terras.

densidade populacional ou densidade demográfica: medida que expressa o número de pessoas por espaço habitado. O Brasil, por exemplo, segundo dados do Censo de 2010 do IBGE, apresenta uma densidade demográfica de aproximadamente 24 habitantes por km2.

Coleção gráfica da Academia de Belas Artes de Viena, Áustria

PALLIÈRE, Arnaud Julien. Vila Rica. 1820. 1 óleo sobre tela, color., 36,50 cm x 96,80 cm. Coleção gráfica da Academia de Belas Artes de Viena, Áustria.

No início, essas cidades se configuravam como centros que aglutinavam a prestação de serviços administrativos, comerciais e, no caso da região das minas, a mineração, assim como outros ofícios voltados à presença dos grandes proprietários rurais no seu espaço. Contudo, mesmo que o fato de os grandes proprietários rurais terem mudado a residência principal para as áreas urbanas se constituir como um dos fatores mais importantes para a consolidação das cidades, eles não passavam todo o tempo nelas. Isso fazia com que as cidades apresentassem apenas picos de vitalidade, sendo, em geral, espaços de pouco dinamismo e dependentes do meio rural.

Essa urbanização pretérita foi uma realidade e um processo importantes na formação dos nossos primeiros núcleos urbanos. Entretanto, ela está mais ligada a um processo de surgimento de cidades do que de urbanização propriamente dito, o que só ocorreu a partir da década de 1940, quando o índice de urbanização apresentou um crescimento prolongado.

Arquivo G. Ermakoff/Peter con Fuss

A urbanização é visível em fotografias de algumas cidades brasileiras na década de 1940, como nessa imagem de Porto Alegre

Observe o impacto da urbanização nos rios das nossas cidades.


População residente e participação relativa, por situação do domicílio – Brasil – 1950/2010

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1950/2010.

A tabela mostra o crescimento da população urbana, que aponta para dois pontos principais: o crescimento ocasionado pelo aumento da taxa de natalidade e o aumento provocado pela chegada de novos moradores. Esse segundo ponto nos leva a pensar no processo de êxodo rural, o qual deslocou uma grande quantidade de pessoas do campo para a cidade.

E o que ocasiona essa mudança? Você já parou para pensar o que faz alguém deixar seu local de residência e ir morar em outro lugar? Para o sociólogo Charles Tilly, a questão é simples: o principal motivo da mudança do local de moradia está relacionado à questão da oportunidade. Quanto maior a diferença de oportunidade, principalmente de emprego e renda, maior o deslocamento de pessoas. Ou seja, os indivíduos que saíam do campo em direção à cidade viam no meio urbano um local de novas, numerosas e melhores oportunidades.

O processo de industrialização no Brasil aconteceu muito tempo depois do avanço industrial europeu. Entretanto, apresentou alguns movimentos comuns, como a quebra da dependência de uma economia agrícola e o aumento da população nas cidades. Esses fatos tornaram a industrialização um dos principais – senão o principal – processos aceleradores da urbanização.

Mesmo que a urbanização no Brasil seja anterior à industrialização, ela só se intensificou quando ocorreu uma mudança na concepção de trabalho e, principalmente, em uma transição para uma economia de base industrial.

Esse aumento da industrialização fazia da cidade o local de melhores oportunidades. A razão principal é que esses mesmos processos provocavam uma deterioração das condições de vida no meio rural, em grande parte ligadas à mecanização da agricultura. Isso tornava dispensável uma quantidade considerável de trabalhadores, assim como gerava a desestruturação das relações tradicionais de trabalho e a ampliação das relações capitalistas no campo.

Essa nova concepção de trabalho afetou de maneira intensa o cotidiano dos habitantes do meio rural brasileiro. Assim, muitas formas de trabalho, como a parceria, o arrendamento e o mutirão, foram suprimidas por não mais corresponderem às demandas do novo sistema econômico. Tais formas foram gradativamente substituídas por tecnologias mais ajustadas ao aumento da velocidade, decorrentes da industrialização.

parceria: o conteúdo está em branco no indesign...

arrendamento: o conteúdo está em branco no indesign...

mutirão: o conteúdo está em branco no indesign...

Como resultado, muitos trabalhadores rurais “caíram em um fosso de atraso e precariedade”, buscando, na cidade, uma saída para sua sobrevivência.

A vida no campo apresentava características distintas da vida na cidade. Desse modo, as pessoas que partiram encontraram condições muito diferentes daquelas que tinham em seu lugar de origem.

Opção Brasil Imagens/Luiz Cláudio Marigo

Organize as ideias

Leia as afirmativas a seguir e assinale (V) se for verdadeira e (F) se for falsa. Corrija as incorretas.

As cidades não ofereciam as condições mínimas para receber a grande quantidade de trabalhadores vindos do campo. Faltavam transporte, educação, saúde e, muitas vezes, aquilo que eles mais almejavam: emprego.

Na maioria dos casos, as condições de vida e de trabalho não melhoravam e essas pessoas passavam a residir na periferia dos grandes centros, em condições de extrema pobreza, em locais insalubres e sem a estrutura mínima para viver dignamente.

Percebemos aqui que o que deu corpo à urbanização brasileira foi o processo de êxodo rural. Entretanto, as pessoas não sairiam do campo se a permanência fosse mais favorável, ou seja, algum processo cooperava para tornar a vida no campo pouco atrativa. Portanto, para entender de forma mais detalhada o momento e o motivo de isso ter acontecido com intensidade, devemos encarar outro processo importante que esteve diretamente ligado ao êxodo rural: a modernização do campo.

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Muitos migrantes, quando chegavam às cidades, percebiam que elas não estavam ajustadas de modo adequado, mesmo porque as primeiras cidades brasileiras nasceram de forma desordenada e socialmente desigual, facilitando a favelização e a submoradia.

Leitura sociológica

Industrialização e urbanização

A industrialização e a urbanização são processos complementares que costumam marchar associados um ao outro. A industrialização oferecendo empregos urbanos à população rural; esta entrando em êxodo na busca dessas oportunidades de vida. [...]

A população urbana salta de 12,8 milhões, em 1940, para 80,5 milhões, em 1980. Agora é de 110,9 milhões. A população rural perde substância porque passa, no mesmo período, de 28,3 milhões para 38,6 e é, agora, 35,8 milhões. Reduzindo-se, em números relativos, de 68,7% para 32,4% e para 24,4% do total.

Conforme se vê, vivemos um dos mais violentos êxodos rurais, tanto mais grave porque nenhuma cidade brasileira estava em condições de receber esse contingente espantoso de população. Sua consequência foi a miserabilização da população urbana e uma pressão enorme na competição por empregos.

Embora haja variações regionais e São Paulo represente um grande percentual nesse translado, o fenômeno se deu em todo o país. Inchou as cidades, desabitou o campo sem prejuízo para a produção comercial da agricultura, que, mecanizada, passou a produzir mais e melhor. Se nosso programa fosse produzir só gêneros de exportação, isso seria admissível.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 198-199.

Da cidade ao campo: modernização do campo

Todos nós, de uma forma ou de outra, conhecemos o meio rural brasileiro, caracterizado pela maior presença do espaço natural, por relações sociais específicas e por atividades como a agricultura e a pecuária que, por muito tempo, foram as que marcaram a configuração desse espaço.

Atitude sociológica

Você conhece uma plantação? Já observou o plantio de alguma cultura? Alguém da sua família foi ou ainda é agricultor? Se você conhece uma plantação, imagine ela sendo feita sem o auxílio de máquinas e tratores.

Podemos chegar à conclusão de que essa tarefa demandaria tempo e força braçal.

Foi assim por muito tempo no Brasil. Essa forma de produção fez com que uma ampla parcela de moradores do meio rural brasileiro fosse constituída por trabalhadores agrícolas, que tinham suas próprias plantações ou prestavam serviços para terceiros. Com a utilização das máquinas e ferramentas agrícolas, houve uma redução do tempo entre o plantio e a colheita, assim como a capacidade de produzir mais no mesmo espaço de terra. Um olhar despreocupado pode fazer parecer que a mecanização do trabalho no campo apresentou apenas características positivas.

As políticas de modernização rural no Brasil ocorreram principalmente a partir da década de 1950, lançando muitos trabalhadores rurais num cenário novo e adverso.

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Um pequeno produtor geralmente produz sem o uso de máquinas, e seus produtos são consumidos de forma limitada e local, não sendo disponíveis para o grande mercado.

Para Maria Nazareth Wanderley, o processo de modernização, tal como foi feito no Brasil, apresentou graves problemas: a predação dos recursos naturais, a exploração e marginalização de pequenos produtores e a alta Concentração fundiária.

Concentração fundiária: refere-se à concentração de vastas porções de terra tendo como proprietários uma pequena quantidade de pessoas. Uma presença visível da concentração fundiária no Brasil é a existência de latifúndios.

Mergulhado nas adversidades do momento, o trabalhador rural continuava pouco assistido pelas legislações trabalhistas. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943 e a Carta Magna de 1945 regulavam e protegiam o trabalhador urbano e não regulamentavam o trabalho no campo. Foi somente em 1963 que ocorreu a criação do Estatuto do Trabalhador Rural, que trazia um conjunto de normas a serem seguidas no que dizia respeito à sua contratação. Entretanto, apenas em 1988, com a criação e a aprovação da Constituição Federal, foi afirmada a igualdade de direitos entre os trabalhadores rurais e os trabalhadores urbanos.

Mesmo que esses avanços tenham sido importantes, uma gama ampla de trabalhadores agrícolas continuava desassistida das leis do trabalho. O motivo é que muitos deles, recém-expulsos das terras pertencentes às grandes propriedades e obrigados a buscar outros lugares de moradia, continuaram exercendo a atividade agrícola. Mas como isso acontecia?

No início, a modernização da agricultura não extinguiu de maneira completa a necessidade do trabalho manual, mas concentrou-o nas fases de colheita, tornando o trabalhador rural, anteriormente ocupado durante o ano todo, agora à mercê da sazonalidade. Isso possibilitou o surgimento de “trabalhadores volantes”, aqueles que vendiam sua força de trabalho para diferentes empregadores, de diferentes locais e em diferentes épocas do ano.


Esse trabalhador sofreu de modo intenso o processo de expropriação de suas relações sociais. Se em um primeiro momento ele era expropriado das formas trabalhistas que considerava naturais, em um segundo momento ele passava a não ser, do ponto de vista legal, nem um trabalhador urbano nem um trabalhador rural. Isso porque seu caráter temporário o tirava da proteção do Estatuto do Trabalhador da Terra. Essa falta de proteção de uma legislação trabalhista aos trabalhadores volantes trazia vantagens para os grandes proprietários rurais, favorecendo-os a acumular capital.

Na década de 1970, a industrialização da agricultura se consolidou e se difundiu gradualmente pelas demais regiões do Brasil, fazendo com que o ritmo da produção agrícola passasse a ser muito próximo daquele estabelecido pelas indústrias na cidade. A produção agrícola se tornava alvo da velocidade de mudança que era característica nas atividades urbanas. Assim, os meios de produção são depreciados, a mercadoria tem de ter escoamento e as flutuações da bolsa se tornam tão importantes quanto a previsão do tempo.

Esse novo ritmo favoreceu as elites agrárias, fortalecendo ainda mais a concentração fundiária e tendo como consequência direta a potencialização da migração rural-urbana. Em resumo,

Industrialização

A modernização, que levou máquinas para o campo, forçou os trabalhadores rurais a encontrar outros meios de sobrevivência, não necessariamente no campo, na agricultura.

As mudanças nas relações trabalhistas que vinham ocorrendo com os processos de industrialização diluíam o paternalismo e aprofundavam as distâncias entre empregados e patrões. Concomitantemente, a consolidação de uma lógica de mercado fez com que uma população que por muito tempo vivia fora dessa lógica fosse lançada na sociedade de mercado. O novo quadro acabou por potencializar seus agentes como consumidores, fazendo com que a relação com o mercado ganhasse força e forma, criando uma clara dependência do habitante rural com o consumo.

Leitura sociológica

O caboclo não recusa o progresso, pelo contrário; e isso o esmaga. Vivendo num estreito círculo de trocas, percebe a invasão de suas feiras por objetos produzidos industrialmente (para só falar desse fator de desorganização econômica e social, proveniente da civilização urbana, embora existam inúmeros outros) e passa a sentir a necessidade de um excedente de produção que lhe permita adquirir tais utilidades. Tende então a abandonar a policultura, que lhe garantia a subsistência, pelo cultivo de um produto só, cujo preço ouviu dizer que está em alta; deixa de lado o artesanato e todas as outras atividades complementares de sua economia. Não alcança, todavia, o resultado almejado; na feira, os objetos são sempre mais caros do que os cruzeiros que conseguiu ganhar. E, o que é trágico, não colhe mais o necessário para sua subsistência, depende dos cereais vendidos na feira para completar a alimentação; não produz mais os utensílios de que antes se valia nem pode comprar os que são fabricados.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Uma categoria rural esquecida. Revista Brasiliense, São Paulo, n. 45, p. 83-97, 1963.
  • De acordo com o texto, como a industrialização afeta os trabalhadores rurais?


Para os sociólogos Charles Mueller e George Martine, o que ocorre de fato é a continuidade de uma trinca que começa com a modernização agrícola, passa pela redução da mão de obra ocupada e chega ao êxodo rural.

Atitude sociológica

Apesar de vários avanços trabalhistas, ainda hoje, fruto da maneira como se deu nossa modernização do campo, existe no Brasil uma enormidade de pessoas no campo em péssimas condições de trabalho, muitas delas em situações análogas à escravidão. Faça uma pesquisa sobre a presença dessa forma de trabalho na sociedade brasileira e apresente os resultados encontrados aos colegas de turma.

O que faz um engenheiro ambiental? Saiba mais sobre o seu exercício profissional?

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Interação entre rural e urbano

No Brasil, a classificação do que é rural, usada pelo IBGE, define que este espaço se constitui por aquilo que não é urbano. Essa mesma metodologia considera urbanas todas as sedes municipais, independentemente do seu tamanho.

A definição acaba por avaliar que não existe desenvolvimento no campo, pois a melhoria de infraestrutura básica lhe daria margem para ser considerado urbano. Nessa metodologia, inexiste o rural propriamente dito, pois a única definição precisa existente é a de que o rural se constitui por aquilo que não é urbano.

Isso é bem problemático, pois propicia cada vez mais o decréscimo do rural nas estatísticas oficiais e ainda fortalece a visão que relaciona o campo com o atraso e a precariedade, tratando-o como cultura residual. Nessa metodologia, o desenvolvimento rural é compreendido como uma urbanização do campo, enquanto deveria ser considerado como desenvolvimento de características específicas do meio rural.

Muitos estudiosos do assunto têm proposto definições mais adequadas, tendo como pressuposto a concepção de que o espaço rural não se constitui como uma essência imutável, mas que está em constante transformação. Por exemplo, mesmo que por muito tempo a perda demográfica do campo tenha sido visível, principalmente entre os anos de 1960 a 1980, nas últimas décadas já começa a ser perceptível uma revalorização do mundo rural, em especial pelas suas qualidades territoriais. Essa tendência pode ser sentida no processo de desaceleração do êxodo rural e até mesmo em movimentos contrários, que mostram moradores das cidades indo em direção ao campo.

Outra questão que deve ficar clara é que, quando se fala em interação rural-urbano, se deve ter em mente que o rural não é sinônimo de agricultura nem o urbano é sinônimo de indústria. Mesmo que a agricultura se constitua como uma atividade extremamente importante para a construção e a significação do mundo rural, ela não o representa de modo pleno, da mesma maneira que a indústria não explica de forma absoluta o espaço urbano.

O próprio processo de modernização do campo, que expulsou uma enorme quantidade de assalariados rurais, tornou-o cada vez menos agrícola. Para além da agricultura, novas ocupações trabalhistas surgiram como produto das transformações das últimas décadas. A implantação de indústrias no campo provocou o descolamento entre industrialização e urbanização. Além disso, a melhoria dos meios de transporte potencializou o aumento do fenômeno da pluriatividade, fazendo com que grande parte dos salários dos habitantes do espaço rural viesse dos espaços urbanos. Por fim, a amplitude que ganhou o discurso ambiental fortaleceu as produções agrícolas não convencionais.

Entretanto, a principal mudança em relação à interação com o espaço urbano se vincula às imagens do campo como local de refúgio para um público saturado da cidade que busca conformidade com os discursos modernos acerca da sustentabilidade. Isso se deve, principalmente, à busca de um melhor nível de oportunidade nas condições relacionadas ao bem-estar. Nas últimas décadas, assistimos ao campo se tornar referência de um espaço com melhores condições de vida, em especial aquelas já deterioradas no meio urbano. Anteriormente, era a cidade que se revelava atrativa; na atualidade, o campo se mostra com características bastante atraentes para os moradores das cidades.

Esses fatores proporcionaram o que alguns autores têm chamado de renascimento rural. Ele é produto do aumento da procura, principalmente, de lazer e da fuga dos problemas das grandes metrópoles, como a compactação do espaço, a poluição e a violência. Essa nova interpretação atenua a concepção que tratava o espaço rural como um lugar de atraso e precariedade, tornando mais visível uma concepção positiva das paisagens rurais.

O espaço rural, na atualidade, com o mercado de produtos orgânicos, retorna à concepção de produção familiar, além de ser procurado pelo turismo rural.

Organize as ideias

Cada vez mais o meio rural deixa de ser identificado diretamente com uma imagem agrícola e passa a ser associado com qualidade de vida e relação com a natureza. Essa última imagem vai se tornar importante na busca do meio rural por um público citadino. Inclusive, quanto mais a cidade fica hipertrofiada, mais aumenta a busca pelo meio rural. Com base nessas reflexões, cite exemplos que demonstram o aumento da atração dos moradores da cidade pelo campo.

Para finalizar, é preciso deixar claro que, embora a interação aconteça e que muitas vezes seja positiva, o rural continua se constituindo no elo mais fraco da relação, inclusive por uma questão de acesso aos bens característicos de cada um desses espaços. Enquanto os moradores da cidade têm um acesso mais facilitado ao meio rural, principalmente se pensarmos no turismo, os moradores do campo encontram dificuldades no acesso a muitos espaços urbanos, como museus, teatros e cinemas. Possivelmente, a busca por equilíbrio nessa relação e por mais democratização do acesso a bens culturais, facilitando um intercâmbio mais igualitário entre esses espaços e seus habitantes, constitua-se como um dos grandes desafios da nossa época. Alguns caminhos que atualmente parecem apresentar bons resultados podem ser vistos no crescimento e na criação de sistemas agrícolas não convencionais, no avanço de um turismo sustentável e na preservação da memória dos povos.

Leitura sociológica

Leia o texto e responda à questão proposta.

Como é sabido, a dinâmica das sociedades modernas, constituídas com o desenvolvimento do capitalismo, está centrada, fundamentalmente, na importância que nelas assumem os processos de industrialização e de urbanização. Dois olhares se debruçaram sobre estes processos. Um primeiro, que percebeu neles o desaparecimento completo das sociedades rurais/camponesas. A agricultura se tornaria, neste caso, um mero campo de aplicação do capital, à semelhança de qualquer outro setor passível de investimento. Sob esta ótica, assistir-se-ia à progressiva decomposição do campesinato e à constituição das classes sociais do capitalismo no campo; o camponês teria se tornado um agricultor – referido, não mais a um modo de vida, mas a uma profissão específica – e um cidadão como qualquer outro. Mais recentemente, afirma-se uma ruptura completa do “agricultor familiar moderno”, em relação à sua história camponesa, analisando-o como o resultado da iniciativa do próprio Estado.

Mas há um outro olhar sobre estes mesmos processos. Sob esta outra perspectiva, as profundas transformações resultantes dos processos sociais mais globais – a urbanização, a industrialização, a modernização da agricultura – não se traduziram por nenhuma “uniformização” da sociedade, que provocasse o fim das particularidades de certos espaços ou certos grupos sociais. A modernização, em seu sentido amplo, redefine, sem anular, as questões referentes à relação campo/cidade, ao lugar do agricultor na sociedade, à importância social, cultural e política da sociedade local etc. O agricultor moderno, particularmente o agricultor familiar, predominante nos países ditos “avançados”, pelo fato mesmo de ser familiar, guarda laços profundos – de ordem social e simbólica – com a tradição “camponesa” que recebeu de seus antepassados.

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. A emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas – o “rural” como espaço singular e ator coletivo. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 15, p. 87-145, 2000.

  • Qual a diferença dos dois olhares interpretativos sobre o processo de urbanização e industrialização e a forma como estes atingiram a vida rural?